Acordo do Rio Doce anuncia hospital universitário para Mariana
- Rádio Plural
- 13 de jun.
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A proposta, que visa a parceria com a UFOP, foi assinada em Mariana pelo presidente Lula, pelo ministro da saúde e pelo reitor da universidade.
Por Ana Beatriz Justino e Maria Cecília Marques
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciou, nesta quinta-feira (12), ações e investimentos do governo federal que estão previstas no novo acordo de reparação de danos causados pelo rompimento da Barragem do Fundão, de responsabilidade das mineradoras Samarco, Vale e BHP Billiton, desastre-crime ocorrido em 2015. Entre as medidas divulgadas pelo presidente, está a criação de um Hospital Universitário da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) no município de Mariana, com o objetivo de oferecer atendimentos de saúde de média e alta complexidade. Durante seu discurso o presidente frisou: “Nós fizemos um acordo, e trouxemos a responsabilidade de fazer as coisas acontecerem para as costas do governo”.
Na cerimônia, o presidente saudou Dom Luciano, ex- arcebispo de Mariana, que faleceu em 2006. O líder católico é conhecido, até hoje, devido à sua defesa aos direitos humanos. Segundo Lula, o pároco estaria feliz com o acordo, que admite não ser perfeito, mas que teria sido o possível negociado. O presidente também frisou que a Vale – uma das empresas responsáveis pelo rompimento – perdeu impacto durante o governo Temer e governo Bolsonaro e que agora, a diretoria precisa respeitar o povo.

Durante a cerimônia Lula comemorou os projetos sociais criados pelo seu governo, como o Minha Casa, Minha Vida e o PROUNI. Foto: Maria Cecília Marques)
O presidente criticou o atual governador de Minas Gerais, Romeu Zema e o ex-presidente Bolsonaro, dando pistas sobre os motivos de sua possível candidatura em 2026. “Esse país não vai cair na mão da extrema-direita. Não vai cair! Esse país aprendeu a gostar de democracia e nós vamos fazer a democracia prevalecer nesse país.” exclama o presidente.
É válido relembrar, que durante o evento, representantes dos ministérios teceram críticas ao governador do estado mineiro. Uma das que gerou mais repercussão foi a de Rui Costa, que disse: “Aqui vai precisar trabalhar muito. Comer menos banana com casca”. A indireta faz referência ao vídeo que circulou na internet na qual o governador da capital mineira aparece comendo uma banana com casca, tecendo uma crítica a alta dos preços dos alimentos e ao atual governo.
Saúde e novo hospital
Uma das ações previstas pelo novo acordo do Rio Doce é a criação do Hospital Universitário de Mariana, que receberá o nome de Dom Luciano. Foram destinados 220 milhões de reais ao hospital, que irá operar em parceria com a Universidade Federal de Ouro Preto. No discurso, o ministro explicou que a estrutura do hospital estará ligada ao ensino, à formação profissional e ao tratamento do câncer. Na cerimônia, nenhum dos convidados informou a previsão da data de entrega do hospital, mas reiteraram a importância do centro oncológico, que poderá se tornar referência em tratamento do câncer, já que, hoje, Mariana não possui uma unidade especializada nesse diagnóstico.
O ministro também teceu críticas à Fundação Renova, desativada no final de 2024. “Sai a Renova e entra o SUS - o Sistema Único de Saúde, para cuidar do povo brasileiro, do povo de Minas Gerais e do povo dos 48 municípios de Minas Gerais e do Espírito Santo,” disse o ministro.

Neste ano, o ministério também destinou 167 milhões de reais para obras em unidades de saúde, centros de referência, aos centros de tratamentos psicossocial e ao Serviço de Atendimentos Móvel de Urgência. Dentre os quatro municípios que irão receber a verba, estão Mariana e Ouro Preto. E Padilha garante que, até 11 de julho, voltará à região para assinar acordos iguais aos outros municípios afetados. Também foi anunciado que, cerca de 8 bilhões desse valor serão investidos em um fundo permanente patrimonial, irá funcionar de forma parecida com o Pé de Meia da educação, projeto que entrou em vigor em 2024.
Durante a cerimônia, Alexandre Padilha, demonstrou preocupação com os problemas de saúde adquiridos e que ainda podem surgir entre as pessoas atingidas pela barragem. “Eu ficava consternado com aqueles impactos imediatos. Mas também ficava consternado com aqueles impactos que não são imediatos na saúde daquele dia, mas são feridas que permanecem e permanecerão por muito tempo”, disse o ministro.
A reparação do meio ambiente
O rompimento-crime, que despejou 60 milhões de metros cúbicos de lama sobre diferentes locais, com destaque nos subdistritos de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo, alcançou o Rio Doce e o Oceano Atlântico. Alterando a fauna e a flora locais, além de modificar para sempre a vida de comunidades ribeirinhas e agrícolas da região em que os rejeitos passaram. Durante o ato, a ministra Marina Silva fez críticas às mineradoras e discorreu sobre a omissão e o descaso das empresas.“O que aconteceu aqui não foi um desastre. O que aconteceu aqui foi uma tragédia em função de um crime ambiental. E por que um crime ambiental? Porque o Ministério Público avisou, as autoridades ambientais sempre avisaram, mas nunca deram ouvido para fazer o que precisava ser feito”, disse a ministra.

A fala de Marina Silva se conecta com a opinião de parte da população atingida. Um pouco antes da cerimônia começar, grupos indígenas e o Movimento de Atingido por Barragens manifestaram e repetiram por diversas vezes, em tom musical, a crítica em relação a essa omissão das mineradoras. “Eles sabiam que iam romper. Vale, Samarco e BHP.” Em relação às políticas ambientais, o novo acordo prevê a restauração de 5 mil nascentes em áreas de recarga, recuperação das áreas degradadas com sementes nativas da região e 30 milhões de mudas para reflorestamento, em parceria com viveiros locais e com a comunidade.
O novo acordo
Responsável pelo discurso inicial do evento, o prefeito Juliano Duarte, foi duramente criticado pela população. Foi preciso que o presidente Lula interviesse nas vaias para que o prefeito pudesse continuar seu discurso. “Deixa eu pedir um favor para vocês, esse momento é um momento histórico para a cidade de Mariana e para o estado de Minas Gerais. Não foi fácil construir esse acordo. Hoje é um dia institucional. Mas, nesse ato aqui, o prefeito é nosso convidado, não tem sentido o presidente da república vir em um lugar e convidar uma autoridade e ele ser mal recebido”, enterveio o presidente. Depois da interrupção de Lula, o discurso do prefeito foi finalizado e Juliano ainda pediu ao representante do governo que incluísse Mariana no projeto “Minha Casa, Minha Vida”, a fim de amenizar a crise habitacional da cidade.
Ainda no início da cerimônia, Rui Costa, chefe da Casa Civil no governo Lula, explicou o novo acordo Rio Doce, reformulado pelo Governo Federal junto às empresas envolvidas no crime de 2015 (Samarco e suas controladoras Vale e BHP Billiton), os estados de Minas Gerais e Espírito Santo e os municípios afetados. Com mais de dois milhões de pessoas atingidas pelo rompimento da barragem, o ministro esclarece que o acordo feito entre as instâncias foi de R$ 170 bilhões para a reparação e destacou como a divisão das atribuições de cada órgão se dará na prática. Do valor que será movimentado pelas empresas mineradoras, R$ 49 bilhões serão repassados ao Governo Federal que deve usar a verba para investir em diversas áreas. Veja abaixo:

Segundo as informações passadas pelo Governo Federal, os 120 bilhões que sobram das indenizações serão repassados aos seguintes órgãos:
25 Bilhões para o Governo de Minas Gerais e Quase 15 bilhões ao Governo Espírito Santo, que terão a responsabilidade de promover ações estruturantes;
Cerca de 1,6 Bilhão destinados ao Ministério Público de Minas Gerais, ao Ministério Público Federal, a Defensoria Pública de Minas Gerais, e aos Governo do Estado mineiro para serem realizadas ações voltadas para Mariana sede e aos reassentamentos;
Cerca de 6 bilhões para cada município envolvido;
1,2 bilhão para o Ministério Público e defensorias para gerir projetos socioambientais e de igualdade de gênero;
1,5 bilhão à Samarco, que será responsável pelo pagamento das indenizações ao atingidos, que ocorrerá por meio do Programa de Indenização Definitiva (PID);
32 bilhões as mineradoras envolvidas que terão que arcar com os custos para recuperação ambiental, outras indenizações, e a construção e garantia dos reassentamentos;
38 bilhões pagos à Fundação Renova, que operou até novembro de 2024 na execução de reparações aos meios afetados pelo rompimento da barragem.
As pessoas atingidas
Mauro Marcos da Silva, que representava todas as pessoas atingidas pela barragem do Fundão, teve seu tempo de fala mais ao final do ato, e marcou o público presente. O representante discorreu sobre seu pai, que faleceu antes mesmo de ter a casa entregue no reassentamento e reafirmou que, nos territórios atingidos, ainda existe vida. Mauro criticou o PID, chamando-o de “Programa de Ilusão Definitiva”, já que muitos atingidos consideram que o valor oferecido não contempla todas as perdas. "É preciso olhar. Porque os benefícios são muitos, mas reparação é diferente de benefício. A reparação é urgente. Quem tem fome, tem pressa. E há 9 anos, 7 meses e 7 dias estamos com fome e com sede de justiça", reitera Mauro. O morador de Bento Rodrigues ainda pediu para que os presentes, incluindo o presidente, não recriminassem as escolhas dos atingidos que preferiram buscar uma reparação e um acordo mais justo, optando por não aderir ao Programa de Indenização Definitiva.

O Programa de Indenização Definitiva (PID) é um acordo proposto pela Samarco que serve para indenizar as pessoas e empresas envolvidas no rompimento da barragem, em 2015. Ao aderir ao programa, o atingido deve assinar um acordo de quitação, sinalizando que abre mão de outros processos judiciais na qual esteja participando, impossibilitando recorrer ao crime em tribunais no exterior, como que tramita em Londres. O valor que cada atingido deve receber, caso aceite o PID, é de 35 mil reais pagos em uma única parcela. Agricultores e pescadores profissionais podem receber 95 mil reais.
Em entrevista à Rádio Plural, José Carlos Ferreira, integrante da direção estadual do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), completa a fala do atingido Mauro: “A recuperação é difícil pois, além do material, é espiritual e psicológica. A reparação tem que ser justa, mas este acordo não precifica o crime, pois ele permanece na mente e no coração das pessoas que perderam seus entes queridos e o espaço em que moravam. Nós estamos aqui ajudando na luta, cobrando estas empresas responsáveis por este crime para que todas as famílias sejam indenizadas da forma correta e recebam seus devidos direitos.”

Laura Oliveira, representante do MAB, também falou na cerimônia: “A repactuação abre um novo momento. Queremos justiça. Queremos punição para os criminosos”. E completa: “o MAB se coloca ao lado do Governo Federal”. Libério José da Silva, faz parte do Movimento dos Atingidos por Barragem (MAB) e, durante entrevista à Rádio, discorre sobre o tema.“Desde 2019, quando fomos atingidos e perdemos tudo, nossos rios serviam para trabalhar mas também para o lazer. Desde então, seguimos na luta para reparar os danos causados. A Vale ainda tem muito a reparar e ainda há muitas barragens em riscos de romper. Tenho esperança que com as novas medidas apresentadas haverá um futuro melhor para todos os afetados”.
Integrantes do Movimento dos Atingidos por Barragem estiveram presentes na cerimônia
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